quarta-feira, 23 de março de 2016

Goiana: Teatro Heroínas de Tejucupapo 2016 é Cancelado por falta de apoio


  O Cancelamento do Maior Teatro ao ar livre da Zona da Mata Norte de Pernambuco foi oficializado na noite da última terça-feira (22) pela diretora e idealizadora do Teatro Batalha das Heroínas (Luzia Maria), por falta de apoio por parte da Prefeitura de Goiana, Governo do Estado e Empresas de grandes e pequenos porte da região,o principal motivo alegado foram a crise no país, após 22 anos de Teatro e História contada, o Teatro passou por bastante dificuldades, chegou a ser cancelado por duas vezes por motivos parecidos, mas a idealizadora Luzia Maria nunca deixou - se enfraquecer, uma história descoberta por ela e incentivada por seu filho Zé Augusto que estava na direção geral ao longo desses anos, Tejucupapo perde em muito se deixar de ser contada a sua história, Tejucupapo sem o Teatro e História não é o mesmo Tejucupapo.

      Conheça a História e Trajetória do Teatro

        Em 1646, o ano do acontecimento, o distrito possuía apenas uma rua larga, quase uma praça, ladeada por casas simples, destacando-se ao final dela a Igreja de São Lourenço de Tejucupapo, de arquitetura jesuítica, como acontecia com as igrejas erguidas no início da colonização. Mesmo não se conhecendo com exatidão a data real de sua construção, os indícios existentes remontam a meados do século XVII, sabendo-se, com segurança, que em 1630 ela já existia.
Naquele ano os holandeses já haviam praticamente perdido o domínio que durante algum tempo mantiveram sobre quase todo o território pernambucano, e como se encontravam cercados e necessitando desesperadamente de alimentos, cerca de 600 deles, saídos por mar do forte Orange, na ilha de Itamaracá, sob o comandado do almirante Lichthant, tentaram ocupar Tejucupapo, onde esperavam encontrar a farinha de mandioca e o caju que as circunstâncias do momento haviam transformado em produtos pelo qual valia a pena arriscar-se em combate. Segundo os historiadores, eles escolheram justamente o domingo para realizar a investida porque era nesse dia que os homens do vilarejo costumavam ir ao Recife, a cavalo, para vender nas feiras da capital os produtos da pesca. Sendo assim, a localidade estaria menos protegida, acreditavam os holandeses.
Mas foram frustrados em sua intenção porque, segundo alguns relatos, a informação de que se aproximavam iniciou a reação da pequena e valente população local, que tendo à frente quatro mulheres - Maria Camarão, Maria Quitéria, Maria Clara e Joaquina - lutou bravamente contra os invasores, enquanto os poucos homens que haviam permanecido na localidade ocupavam-se em emboscar os assaltantes, atacando-os à bala e não lhes dando sossego. Os registros informam que elas ferveram água em tachos e panelas de barro, acrescentaram pimenta, e escondidas nas trincheiras que haviam cavado, atacavam os holandeses com a mistura jamais esperada por eles. Seus olhos eram os principais alvos, e a surpresa o melhor ataque. Como saldo da escaramuça, mais de 300 cadáveres ficaram espalhados pelo vilarejo, sobretudo flamengos. A batalha durou horas, mas naquele 23 de abril de 1646 as mulheres guerreiras do Tejucopapo saíram vitoriosas..
A pesquisa arqueológica permitiu a recuperação do perímetro do fosso e a identificação da localização da paliçada que o cercava. No local do confronto há um obelisco (na ilustração, vestígio de um baluarte e de trecho do fosso que circundava a fortificação) implantado pelo Instituto Arqueológico, no qual foram assentadas 3 placas com os seguintes dizeres:
1º - Aqui, em 1646; as mulheres de Tejucupapo conquistaram o tratamento de heroínas por terem com as armas, ao lado dos maridos, filhos e irmãos, repelido 600 holandeses que recuaram derrotados. Memória do Instituto Arqueológico em 1931.
2º - A Polícia Militar homenageia os trezentos e cinqüenta anos do feito memorável das Heroinas do Tejucupapo, patenteando a bravura do povo pernambucano. 23 de abril de 1996.
3º - Os poderes Executivo e Legislativo de Goiana celebram solenemente os 350 anos da batalha do Monte das Trincheiras, conhecida pela epopéia das Heroinas de Tejucupapo, realizada no dia 24 de abril de 1646. Goiana, abril de 1996. José Roberto Tavares Gadelha - Prefeito João José Monteiro de Souza - Vice-Prefeito Vereador Pau-lo Geraldo dos Santos Veigas - Presidente".
Sobre o fato histórico foi feito o filme "Epopéia da Heroínas de Tejucopapo" e é realizado anualmente o teatro das "Heroínas de Tejucopapo. Em 2011, Helena Gomes e Kathia Brienza lançaram o livro Olhos de fogo, misturando um enredo ficcional de assassinatos ao ataque dos holandeses.
Fontes: Governo do Estado de Pernambuco e Prefeitura de Goiana

    História e Trajetória de Luzia Maria da Silva


   Toda mulher de Tejucupapo é uma mulher guerreira. A frase, dita em 1984 por uma enfermeira, aguçou a curiosidade de Luzia Maria da Silva, quando estava internada no Hospital Santo Amaro do Recife para a retirada de um nódulo num dos seios. Enquanto se encorajava para enfrentar a cirurgia, procurou entender melhor o que ouvia. Lembrou histórias de sua avó Josefa Maria da Conceição, negra, casada com louro de olhos verdes, sobre a invasão holandesa à vila onde ela nasceu e nunca deixou. Dona Luzia conta 60 anos, sete filhos vivos, dezoito netos e três bisnetos e lidera o Clube de Mães do vilarejo, que encena todo mês de abril a “Batalha de Tejucupapo”, um teatro ao ar livre, a exemplo da Paixão de Cristo, em Nova Jerusalém.

    Dona Luzia é auxiliar de enfermagem no Posto de Saúde de Tejucupapo. A vila é parte do município de Goiana, com pouco mais de 71 mil habitantes, na Zona da Mata pernambucana, a 63 quilômetros de Recife e a dez da divisa com a Paraíba. A maioria da população está ligada à cultura da cana e à pouca pesca ainda possível na região. E todos se orgulham de seus antepassados. Goiana foi pioneira na libertação dos escravos. Um decreto da Câmara Municipal, do dia 25 de março de 1888, deixou livres os escravos do Engenho Uruáe. O episódio mais importante, porém, foi a resistência à invasão das tropas holandesas, em 1646.

    Em 1993, quando teve de ser internada novamente, desta vez para o implante de um marca-passo, dona Luzia já havia estudado bastante sobre o episódio, mas ainda iria mais fundo na lembrança dos fatos com o objetivo de “mostrar para todos a bravura de nossas mulheres”. O trabalho da pesquisadora foi árduo. Os registros do acontecimento eram escassos – embora inserido no período da ocupação holandesa no Nordeste do Brasil, entre 1630 e 1654. Muitas foram as batalhas entre os invasores e tropas portuguesas, auxiliadas por índios, negros, mestiços e luso-brasileiros. Os conflitos se intensificaram após a saída de Mauricio De Nassau, que governou a região de 1637 a 1644. Os holandeses ocuparam a ilha de Itamaracá e faixas litorâneas da Paraíba, Rio Grande do Norte e Pernambuco, onde estabeleceram a chamada Nova Holanda.

    A partir da Insurreição Pernambucana (1644-1654), as forças luso-brasileiras retomaram vários territórios ao redor da faixa ocupada. Os holandeses foram encurralados no Recife e em Itamaracá. Já não tinham acesso a alimentos e a falta de vitamina C provocava crises de escorbuto. Os holandeses resolveram atacar a vila. Tejucupapo estava desguarnecida. Era um imenso celeiro de mandioca, hortaliças, verduras e principalmente caju, que serviria para amenizar a moléstia que atacava os soldados. Historiadores estimam ter ocorrido pelo menos três investidas. Na primeira, 80 soldados chegaram pelo rio Megaó em barcos a remo e foram expulsos pelo cabo da milícia Zenóbio Chiole e 30 de seus homens. A fome obrigou os invasores a atacar novamente pouco tempo depois, agora com maior número de soldados, e saíram abastecidos. Com o sucesso, planejaram novo saque. Simularam ataques ao sul e rumaram para o norte. Apenas 100 homens se encontravam no lugarejo. O major Agostinho Nunes, ao tomar conhecimento do ataque iminente, mandou chamar o guerrilheiro Mateus Fernandes e seus homens, que se encontravam escondidos na floresta, para defender o território.

     As mulheres que retornavam da pesca de siris e ostras do rio Megaó e outras que se dedicavam ao bordado e à renda para auxiliar nas despesas da casa também foram chamadas para a luta. Maria Camarão, com um crucifixo em uma das mãos e uma espada na outra, incentivava todas a se armar de pedaços de pau, pedras, chuços e facões. A principal arma, no entanto, foram os tachos com água fervente misturada a pimenta. Os 600 soldados, portando armas de fogo e machados para abrir fendas nos tapumes, recuaram por não resistir ao “refresco”, quando surgiram Mateus Fernandes e seu grupo. Assustados, os invasores bateram em retirada, julgando ter chegado reforço.

Peça e filme 

     O feito das bravas de Tejucupapo é reconhecido pelo Exército Brasileiro como a primeira batalha no Brasil com a participação coletiva de mulheres. Para lembrar a façanha, os moradores locais participam, todo último domingo do mês de abril, da encenação teatral da Batalha de Tejucupapo.

     O esforço de Luzia Maria da Silva tem muito a ver com o resgate dessa memória. Ela vasculhou publicações e histórias sobre o feito de suas antepassadas. Com uma amiga diretora da escola de Tejucupapo, conseguiu emprestado um malcuidado exemplar de O Novo Nordeste, espécie de cartilha com pouco mais de dez páginas, já fora do currículo escolar. Dona Luzia descobriu que uma das maiores batalhas travadas entre flamengos e luso-brasileiros foi exatamente aquela em que as heroínas de seu vilarejo, no dia 24 de abril de 1646, rechaçaram os holandeses. O livro cita a liderança de Maria Camarão, Maria Clara, Maria Joaquina e Maria Quitéria, que se tornaram também personagens da peça da qual participam exclusivamente os moradores de Tejucupapo. O espetáculo acontece em uma clareira da Fazenda Megaó, o Monte das Trincheiras, onde, segundo o Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico de Pernambuco, teria ocorrido a batalha.

     A encenação é vista por milhares de turistas e moradores da região. Cerca de 200 pessoas vão para a arena. Ensaiam diariamente depois do trabalho: as “pescadeiras”, na cata de siri, caranguejo e ostras; os homens, no corte de cana ou em serviços braçais, na mineradora de cal, às margens do rio onde desembarcaram as tropas holandesas. Os atores são exclusivamente habitantes locais. Exceção foi feita durante as filmagens do curta-metragem Tejucupapo – um filme sobre mulheres guerreiras, quando participaram os músicos Naná Vasconcelos e Décio Rocha. “Não permitimos nenhum ator profissional para não descaracterizar nossa história”, assegura Dona Luzia.

     A história e a abnegação dos moradores despertaram na equipe da produtora Página 21 Comunicação, de Recife, a idéia de rodar o curta contando a odisséia de um povo na defesa de seu território e de seus meios de subsistência. O trabalho do cineasta Marcílio Brandão, do jornalista Rafael Coelho, do produtor cultural Amaro Filho, do diretor de teatro Carlos Carvalho, do cenógrafo Uziel Lima e Cláudia Moraes originou também um livro. Os produtores se preocuparam apenas em apresentar, em linguagem cinematográfica, o espetáculo dos habitantes da vila, quase todos com antepassados que estiveram na trincheira, onde hoje se destaca, em um monumento, a homenagem: “Aqui, em 1646, as mulheres de Tejucupapo conquistaram o tratamento de heroínas por terem com as armas, ao lado dos maridos, filhos e irmãos, repelido 600 holandeses que recuaram derrotados. (Memória do Instituto Arqueológico em 1931)”. Na vila, encontram-se ainda a Biblioteca Maria Joaquina e a estátua de Maria Camarão, heroínas da Batalha.

Comunidade artística

      Todos os dias, às sete da manhã, elas estão a caminho do rio Megaó. Vão felizes e cantando, tendo às mãos uma pequena faca, sacos com capacidade para 60 quilos, latas ou panelas para cozinhar e um boné para se proteger do sol. Ramira da Silva, mãe de três filhos, divide a liderança do grupo de mulheres que vivem do mangue com Maria de Fátima Salvador, quatro filhos. Até as quatro da tarde estão na lama. Mãos feridas pelas cascas dos frutos do mar, elas retornam felizes. As toadas não param nem durante o trabalho e prosseguem trilha afora. A rotina de trabalho termina em um pequeno casebre onde o pescado é “tratado” para o mercado. Seus fregueses são restaurantes do Recife. Em média as mulheres recebem R$ 2,50 por dia. No começo da noite, nem se lembram das novelas. Vão para a avenida Goiana, na casa da auxiliar de enfermagem Luzia Maria da Silva, onde a conversa gira em torno do próximo espetáculo. Idéias vão surgindo para melhorar a apresentação.

     De família muito pobre, Dona Luzia começou a trabalhar aos 4 anos e crescia sob maus tratos. Aos 15, fugiu à procura de parentes e encontrou a avó e um tio. Aos 18 anos teve um casamento “que não gosto nem de lembrar”. Viúva e com sete filhos e uma menina, foi trabalhar como auxiliar de enfermagem. Aos 38 anos tomou conhecimento da batalha. Muitas pesquisas depois, o sonho de recriar o feito das heroínas de sua vila se concretizou. A primeira encenação aconteceu em 1993, em um terreno da Fazenda Megaó. Em 1995, a encenação foi proibida pelo então prefeito. Hoje, com a retomada do espaço, as encenações são feitas no último domingo de abril. Por sugestão da produção do curta-metragem, figurinos foram recriados com base em gravuras de Franz Prost, que retratava paisagens da época a serviço de Mauricio De Nassau. Em trajes de soldados, índios e aldeões, os personagens vivem seu momento de glória. O teatro promove o autoconhecimento da comunidade. O cidadão-artista dramatiza sua própria história.
    

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